quinta-feira, 16 de maio de 2013

Tao Te Ching / Livro I / 1. O Tao


1.

O Tao

O caminho que pode ser seguido
não é o
Caminho Perfeito.
O
nome que pode ser dito
não é o
Nome eterno.
No princípio está o que não tem nome.
O que tem nome é a Mãe de todas as coisas.
Para que possamos observar os seus segredos
devemos
permanecer sem desejos.
Mas se em nós mora o desejo
a única coisa que podemos contemplar é a sua forma
externa. A casca que a essência oculta.
Esses dois estados existem para sempre inseparáveis.
Diferentes unicamente em nome.
Conjuntamente idênticos, unidos, integrados.
São os chamados
Mistérios!
Mistério além dos mistérios
O Portal que conduz a tudo aquilo que é sutil e maravilhoso
Ao recôndito sagrado de todas as essências!

Comentário (Murillo N. Azevedo)

Qual a distinção entre o caminho e o Caminho? Um pode ser seguido, o outro não. O que pode ser seguido é o velho, o que está na memória, o produto do condicionamento e de velhos hábitos, o que nos foi imposto pelo conhecimento proveniente de terceiros. O caminho que não pode ser seguido é o novo, o espontâneo, o que de instante a instante se revela. Caminho é sempre novo, dependente das configurações, não é algo a ser encontrado num velho alfarrábio ou num mapa. Aqueles que têm “olhos” para ver o “aqui e agora” poderão divisar instantaneamente, escancarado diante dos seus pés, o verdadeiro Caminho.
         E quanto ao nome? A mesma dúvida permanece. Recordemos a característica instantânea da manifestação. Todas as coisas são concentrações espácio-temporais com determinada duração. Há, entretanto, um abismo muito grande nos nomes que damos às coisas, que nada mais são que rótulos entre elas e a realidade última. O verdadeiro nome é aquele que poderia ser percebido por um ouvido cósmico, que fosse capaz de captar a vibração de um objeto com toda a nitidez. O sentido profundo dos mantras na escola Tantra está aqui revelado.
         Evidentemente, antes de toda a existência, havia algo que não tinha nome. Era o seio que encerrava todas as coisas que um dia nasceriam. A Mãe Cósmica é aquela que já possui um nome. No Budismos Zen há uma pergunta, um Koan, com que se testa o candidato ao conhecimento supremo: “ Qual era a tua face antes de nascerem teus pais?” A “resposta” lançará luz sobre o pequeno trecho do Tao Té Ching que estamos comentando.
         “Para que possamos observar seus segredos, temos de permanecer sem desejo”. O desejo é sempre uma ânsia de complementação. Um processo compensatório, que pode ser verificado no simples desejo de alimento, no qual a fome, que é a própria imagem do desejo, cessa quando o alimento é ingerido. Mas como podemos observar alguma coisa se estamos sempre nela nos projetando através dos nossos desejos? Se estamos sempre sugando o que observamos para completar nosso vazio interno? Todos os testes projetivos da psicologia demonstram que, através do mecanismo compensatório dos desejos, o homem projeta-se na coisa observada. Quando cessam os desejos, então podemos observar a coisa nua, pura, tal como é diante de nós. Sem qualquer contaminação. Se, entretanto, “o desejo mora em nós, a única coisa que podemos contemplar é a sua forma externa”. “A casca que a essência oculta”.
         Para o Tao Té Ching essas duas coisas existem para sempre interligadas: a casca e a essência. É um fato. Ao observar o homem, jamais podemos deixar de lado o interno, o lado oculto, sob pena de transformarmos as relações humanas em algo puramente externo. Esse é o Mistério. Aquilo que aqui é chamado de simbolicamente de Portal. Cada coisa, portanto, é como um portão escancarado diante de nós. Todas elas nos levarão à essência primordial. Ao Tao.

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