sábado, 3 de novembro de 2012

11

O Rei Macaco saiu do oceano sem se molhar e pelos ares regressou ao seu palácio em poucos minutos.
O povo aclamou o seu regresso e admirou a arma, as vestes e os ornamentos divinos que trazia.
- Estais tão belo, diziam.



- Isto não é tudo! Vejam o que sei fazer com a minha nova arma.
E fê-la voltear nas mãos, lançou-a ao ar onde fez piruetas, apanhou-a e rodopiou-a cada vez mais rápido, voltou a atirá-la ao ar cada vez mais alto. Nem só uma vez caiu no chão. Todos o aplaudiam e ele disse:
- Ainda não vistes tudo.
Disse um mantra, fez um mudra e o bastão cresceu, cresceu, cresceu até tocar, em cima o céu e em baixo a terra.


- Meus amigos, não há nada tão eficaz como uma arma secreta. Pronunciou, então, outro mantra e o bastão de punhos dourados mingou até o tamanho de uma agulha. Colocou-o na orelha, esfregou as mãos e a agulha desapareceu.

Fatigado pela exploração submarina e por esta demonstração, estendeu-se à sombra de um cipreste para uma pequena sesta.


Tinha os olhos fechados como se dormisse. De repente, sentiu uma presença a seu lado. Olhou e viu dois seres. Um com uma rede prateada, brilhando como raios de luar, ao ombro. O outro leu a placa de marfim que tinha na mão e perguntou:
- Sois vós o Rei Macaco?
- Sim, sou eu.
Imediatamente lançaram a rede sobre ele e puxaram-no violentamente. O Rei Macaco queria debater-se, mas tinha perdido todos os seus poderes. Não podia resistir-lhes. Arrastado pelos desconhecidos, perguntava-se se não seria um sonho. Deveria ser um pesadelo, pois nada no mundo o poderia levar contra sua vontade. A paisagem corria cada vez mais rápido. Ele já não sabia se viajava no espaço ou em recordação. Encontrou-se no meio de um intenso nevoeiro, pouco a pouco os dois guardas diminuiram a velocidade e foi então que se apercebeu de um marco onde estava escrito  "Território das Trevas".


Percebeu que aqueles eram os pescadores de almas. Debateu-se sem nada conseguir e gritou:
- Deixem-me. Sou um Imortal.
Os guardas, sem nada responderem, levaram-no perante o tribunal dos Infernos.
Mal entrou, o Rei Macaco exclamou:
- Isto é um erro judiciário, sou um Imortal, o meu corpo não é mais composto pelos cinco elementos e eu escapo à vossa jurisdição!
- Calma, respondeu Yan Luo que presidia à sessão, raramente os nossos serviços cometem erros. Na sua grande benevolência o tribunal vai proceder a averiguações. Tragam o Livro das Almas!
O escrivão apressou-se a apresentar os registos a Yan Luo, que queria verificar pessoalmente se o seu pessoal fazia bem o seu trabalho. Observou o índice e disse:
- Ora vejamos... insectos, não... mamíferos, quadrúpedes, primatas. Bom
Foi voltando as páginas, tossicou e disse:
- Cá está, macacos! Chimpazés... não. Gibões... também não. Vós não sois nem gorila nem sagui. Estranho!
- Vedes que não estou aí. Sem dúvida é um erro.
O escrivão tomou a palavra:
- Creio que há um anexo para as almas não classificáveis...
- Efectivamente há uma rubrica para as almas muito especiais. A que tem o número 23a-14/c parece corresponder ao previsto: Rei dos Macacos, nascido no monte das Flores e dos Frutos por acção conjunta do Céu, do vento e dos elementos, etc..., etc.., etc..., Duração de vida: 99 anos.
- Não é possível! Tirem-me esta maldita rede para poder ler com os meus próprios olhos.
O grande perfeito Yan Luo fez um gesto para os guardas soltarem o prisioneiro. O Rei Macaco pegou nos registos e leu.


Leu a mesma coisa que acabara de ouvir. De raiva arrancou a página que lhe dizia respeito, fez com ela uma bola e enguliu-a. Agarrou numas outras do capítulo dos macacos e deu-lhes o mesmo destino. Atirou o livro pela sala fora e gritou:
- Agora estamos quites. Corrigi o erro judiciário e paguei-me dos danos e juros da deslocação.
Yan Luo gritava ordens e os espíritos guardas das trevas acorriam. Empunhavam lanças e alabardas.
O Rei Macaco passou a mão na orelha, recitou um mantra e a agulha voltou a ser do tamanho de um bordão. Fez voltear em redor e abateu alguns guardas. O grande perfeito e os dez juízes dos mortos ergueram as suas vestes e saíram a correr da sala do tribunal pela porta das traseiras.
O Rei Macaco abria caminho a golpes de ferro, saiu pela porta principal, correu pelo território das sombras, perseguido pela matilha hululante dos espíritos guardiões. Por fim passou pelo marco que assinalava a fronteira do território das trevas, penetrou no espesso nevoeiro.


Foi quando estrebuchou e caiu de costas. No mesmo instante acordou à sombra do cipreste. Os seus ministros velavam a seu lado.
- Ainda estais muito pálido. O vosso sono era muito agitado. Haveis tido, sem dúvida, um terrível pesadelo.
- Não vistes dois seres estranhos?
- Não, não vimos ninguém e não saímos daqui!
O Rei Macaco coçou a cabeça. Sonhara ou estivera de verdade lá nos fundos? Em todo o caso estava contente por se ter saído tão bem. Tinha um gosto desagradável na boca, assim como que um gosta a papel mascado...
- Eh, amigos, vamos beber um copo! Esta sesta secou-me a garganta.

.....continua.....









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