quarta-feira, 31 de outubro de 2012



O Tao normal

Nada há de estranho no tao. Quem tem gosto pelo estranho já se perdeu na estrada. O vívido simbolismo dos textos é sómente... simbolismo. Ditados e provérbios comuns estão em concordância com o tao dos sábios. O fundamento da magia existe nas actividades diurnas e noturnas. O misterioso e maravilhoso Plano Interior é perfeitamente óbvio, mas o ignorante não o contempla com cuidado.

in "refrões de lamento" de Liu I Ming

terça-feira, 30 de outubro de 2012

No sopé do monte Qingyuan, em Fujian, há uma estátua de Lao Tze, talhada na rocha.


Durante anos um jovem pensou ir às montanhas para ver essa estátua. Ele adorava as palavras do Velho Mestre, o estilo de vida que levava, mas nunca tinha visto uma escultura sua. Passaram-se vários anos e havia sempre coisas que o impediam de satisfazer o seu desejo.
Certa noite decidiu-se a ir; não era muito longe, ficava a apenas cem li da sua casa, mas ele era pobre e teria de ir a pé.
A noite estava escura, pegou numa lamparina e dirigiu-se para as montanhas.

Ao sair da aldeia surgiu-lhe um pensamento: "Cem li ! Eu tenho apenas dois pés, esta caminhada há-de matar-me, estou a pedir o impossível, nunca caminhei tanto e não existem estradas. O pequeno trilho pela montanha também é perigoso. É melhor esperar pelo amanhecer".
Parou e sentou-se na beira do caminho.

Quando o sol nasceu, passou por ali um velho, que ao ver o jovem sentado lhe perguntou:
- Que estás aqui a fazer?
Após a explicação, o velho riu e disse-lhe:
- Há um ditado que diz "ninguém pode dar dois passos ao mesmo tempo". Não importa se a pessoa é poderosa, fraca, jovem ou idoso, passo a passo, um passo de cada vez e a pessoa pode percorrer dez mil li. Quem te disse que terás de caminhar sem parar? Podes levar o tempo que quiseres. Depois de dez li podes descansar um ou dois dias e apreciar a viagem. Este é um dos vales mais bonitos que existem, as montanhas mais belas e as árvores estão carregadas de frutos.  Eu estou a ir para lá e podes vir comigo. Fiz este caminho muitas vezes e tenho mais de três vezes a tua idade. Levanta-te e dá-me as tuas coisas. Segue-me. Faremos tantas paragens quantas queiras.

O que o velho tinha dito era verdade. Quanto mais entravam na floresta mais a paisagem se tornava bonita e luxuriante, as frutos silvestres eram deliciosos e sempre que ele queria descansar o velho estava disposto a parar.

Os cem li passaram rápidamente e eles chegaram a uma das mais belas estátuas de um dos homens mais notáveis que caminharam sobre a terra. Aquele sítio tinha algo especial.

De repente o velho afirmou:
- Agora começa a jornada!
- O quê? Pensava que depois destes cem li a viagem tinha terminado!
- A realidade é que a partir deste ponto, a partir deste ambiente, desta atmosfera, começa uma jornada de mil li.
E quando lá chegares encontrarás um velho, quem sabe se eu mesmo, que te dirá de novo:
"Esta é apenas uma paragem. Segue em frente. Seguir em frente é a mensagem".

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

10

O Rei Macaco recordou-se de ter ouvido falar dos tesouros que se amontoavam no Palácio Submarino do Rei Dragão. Dizia-se serem maravilhas que ultrapassavam, em muito, os miseráveis objectos em ouro, jade e cristal que existiam nos palácios dos humanos. Decidiu ir fazer uma visitinha de cortesia! 
Após uma viagem de dez minutos pelos ares, pousou na costa oriental. Fez o mudra e disse o mantra da penetração na água, entrou pelas ondas e caminhou pelo fundo do mar sem se molhar.
Descobriu uma paisagem magnífica: rochedos musgosos, pradarias de algas ondulantes, cardumes de peixes de escamas cintilantes... De súbito deu com dois guardas com cabeça de tubarão, de lanças na mão...


Mal teve tempo de os saudar. Alarmados tinham partido a toda a velocidade alertar o superior. Nunca se tinha visto um macaco no fundo do mar e julgaram tratar-se de um demónio. Do capitão caranguejo, passando pelo general baleia, a notícia chegou ao Rei Dragão, que declarou prudentemente:
- Se esse estrangeiro não está molhado deve ser um Imortal enviado pelo Céu para inspeccionar o meu reino. Recebam-no como convém!

O Rei Macaco, rodeado pela comitiva, maravilhado com o que via, não parava de gesticular e de gritar. Era jardins com canteiros de corais, anémonas e estrelas do mar, veredas de areia dourada com vários motivos, colunas de madrepérola e tectos de conchas, as armaduras brilhantes dos crustáceos da guarda real, as paredes cobertas de ouro na sala do trono, móveis talhados em pedras perciosas e pérolas gigantescas... Achou aquilo tão belo que não podia impedir-se de saltar e fazer piruetas.
"Mas que espécie de Imortal será este? perguntou-se o Rei Dragão, tem uns modos bizarros. A menos que no Céu esta seja a última moda de saudar."
Nada deixou transparecer deste pensamento, desejou as boas vindas ao hóspede e mandou que lhe servissem chá de algas fumadas e bolinhos de areia.


- Puah, que horror! - disse o Rei Macaco perante o olhar aterrado da corte submarina que o vira cuspir o trago de chá que tinha bebido, salpicando os pés do Rei Dragão. 
É com uma bebida tão abjecta, que se diria um medicamento, que me recebeis no palácio? Não fabricais nenhum licor doce?
- Claro que sim. Trazei o vinho de corais! - ordenou o Rei Dragão que continuava a pensar ter diante de si um inspector celeste.
- Ah, este já não é mau.
- Ainda bem que gostais. Explicai-me, então, o motivo da vossa visita e dai-me notícias lá do alto.
- Sou o Rei Macaco, vosso vizinho. O meu reino não fica longe daqui e vim fazer uma visita de cortesia.
- Então não sois mais de que um vulgar animal da terra...
- Olhe lá! Seja educado ou vou puxar-lhe os bigodes! Eu sou filho do Céu, adquiri a Imortalidade e os setenta e dois poderes. Apesar da vossa estatura poderia fácilmente pôr-vos chato como um linguado.
- Comportê-mo-nos como pessoas bem educadas. O que posso fazer por vós?
- Ouvi dizer que o vosso palácio é um verdadeiro cofre-forte onde dormem montanhas de maravilhas. Não tendes, por acaso, uma arma à altura dos meus talentos?
O rei mandou os seus servos desprenderem da parede um sabre de aço com o resguardo encrustado de esmeraldas. A arma pesava perto de mil jin. O Macaco pegou nela, fez alguns molinetes e entregou-a, dizendo:
- Muito leve para mim, quase não a sinto na mão. Dai-me outra coisa.
Trouxeram-lhe uma lança talhada num longo diamante. Pesava bem uns dois mil jin. Assim que o Rei Macaco lhe pegou, ela quebrou. Deram-lhe, então, uma alabarda feita de uma costela e omoplata de uma baleia. Cerca de três mil jin era o peso dela.


O macaco fê-la voltear à sua volta e ao passar partiu um jarrão de jade.
- Prestai atenção, exclamou o Rei Dragão, era um presente de casamento.
- Desolado, mas esta arma, também a não sinto na mão. Dai-me uma arma digna de mim.
- Nada melhor tenho para vos ofereçer. Levai-a e deixai-me, nada mais posso fazer.
- Não, não, não! De certeza tendes algo melhor. Não partirei daqui sem levar o que vim cá buscar.


O assunto estava embaraçoso. O Rei Dragão sentia-se perturbado. O macaco parecia tão perigoso... Foi então que a sua esposa, a Rainha Dragão, se aproximou para lhe dizer ao ouvido:


- Querido esposo, porque não lhe dais aquele bastão de ferro que está no pavilhão Umbigo do Oceano?
- O quê? Nem pensar. Devemos conservá-lo piedosamente. O grande You, nosso antepassado, serviu-se dele para a criação da terra, para aplanar o fundo dos mares. Além disso, só ele o pode erguer.
- Uma arma divina? É isso que me convém! Onde está ela? - exclamou o Macaco.
O dragão preferiu levar o seu indesejável hóspede ao pavilhão. O Rei Macaco lá descobriu uma imensa barra de ferro que irradiava uma luz azulada. Era uma coluna de três chang de comprimento e cada uma das extremidades era coberta por um punho de ouro.


O Macaco ergueu-a com uma só mão e tentou aprumá-la. A manobra fez voar em bocados uma parede de cristal e furou o tecto de conchas.


- Oh! Ela pesa pelo menos doze mil jin - pensou o Rei Macaco. Sinto-a bem na mão, mas é demasiado comprida para poder manejá-la.
Disse um mantra e ela reduziu-se ao tamanho de um bordão.
- Deste modo é uma arma mais concentrada. Só se tornará mais eficaz.
Quando o Rei Dragão o viu voltar com o famoso bastão de ferro, pôs-se a tremer. Nunca tinha visto um ser tão poderoso. Tentou não mostrar o seu pavor.
- Muito bem, querido vizinho, eis-vos satisfeitos. Só nos resta despedir-nos.
- Nada de pressas, mal travamos conhecimento e logo me despedis. Não sois muito delicado.
- Não tendes já o que desejáveis?


- Pois não! o que pareço agora? Tenho uma arma divina e vestes desbotadas. Isto não liga bem. Deveis dar-me também uma veste divina... Não vos esqueceis que "aquele que cava um poço, se não atinge a nascente, perdeu o seu trabalho". Não vos deixarei cometer esse erro. Eu velo pela vossa alma e se for preciso utilizarei os grandes meios!
O Rei Macaco fez voltear o bastão de ferro que sibilou no ar.


O Rei Dragão tapou a cara com as mãos e disse:
- Parai, não quebreis mais nada por aqui. Dar-vos-ei um trajo e adornos dignos de um rei celeste.
Por ordem sua, as servas tartarugas foram ao guarda roupa e trouxeram um capacete de ouro ornamentado com plumas de fénix, uma armadura de diamante e botas bordadas com pérolas raras. O Rei Macaco aplaudiu e vestiu-os. Depois abandonou o Palácio Submarino dizendo:
- Adeus e nada de rancores, velho monstro!


O Rei Dragão permaneceu mudo como uma carpa. Nunca ninguém o tinha tratado por velho monstro.
"Bom, grande patife, adeus talvez, mas sem rancor é que não. Vais ouvir falar de mim em breve porque vou enviar um relatório ao alto local." 

                                  .....continua.....








terça-feira, 23 de outubro de 2012

"SENTIR O OUTONO"



A manhã parecia querer arruinar o encontro marcado no Jardim Botânico de Lisboa, neste domingo.



 Sorrisos e tenacidade, mas também interrogações, apareceram à chegada ...




... recebidos com um bem-vindos ...



seguimos para a "Clareira", local que nos tinha sido indicado como o ideal para a prática da nossa actividade. Ainda de chapéus de chuva em "punho"!



Abrigados começamos os exercícios ...



concentrados ...



em harmonia ...



diria que ... felizes ...




integrados com o que nos rodeava.



Estaríamos a sentir o outono?




Passeámos ...


admirámo-nos com os mistérios ...


as belezas próximas ...



e afastadas ...



 os cheiros e sons ...



que esta estação também tem.

Só não sentimos a chuva.

Grato a todos, ao Jardim Botânico e à Mãe Natureza.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

              TAO     DITO   TAO    NÃO ETERNO   TAO
             NOME   DITO  NOME  NÃO ETERNO  NOME

             
              SEM  NOME    CÉU     TERRA    É  ORIGEM
              COM  NOME  DEZ MIL SERES  É  MÃE
9

O Rei Macaco tinha aterrado nas encostas verdejantes do monte das Flores e dos Frutos. Há perto de quinze anos que partira. Contemplou com ternura o cume aureolado de nuvens brancas. Era o lugar do seu nascimento. Tomou o caminho da gruta  da Cortina de Pérolas, o seu palácio. Estava impaciente por voltar a ver os seus companheiros. 
Quando chegou, o regresso foi festejado com danças, cantos e, claro, com um banquete. Foram saboreados frutos suculentos, licores inebriantes... abundantemente. Ao longo das festividades, o herói contou as suas viagens, aventuras entre os humanos, os múltiplos combates. Disse também que tinha o segredo da imortalidade e os setenta e dois poderes mágicos, mas tal como prometera não os revelou e manteve secreto o nome do seu Mestre.


Desde o regresso do Rei Macaco, logo que o dia se erguia, o monte das Flores e dos Frutos ressoava de gritos e de pancadas. Gorilas e gibões treinavam-se nas artes marciais sob a condução do seu chefe que se tornara um temível especialista. Os macacos soldados não tardaram a transformar-se em combatentes experientes no manejo das lanças de bambú e das espadas de madeira. Constituiam um verdadeiro exército, disciplinado, rápido na manobra, capaz de se desdobrar em escassos minutos em diferentes formações de combate.


"Apesar de todas as suas qualidades, não têm senão armas de brincadeira. Quem sabe o que sucederia se um exército de humanos ou de demónios se aproveitasse da minha ausência e passasse ao ataque.", pensou o Macaco.
Sentou-se na erva, e pôs-se a reflectir. 
Uma luz brilhou-lhe nos olhos, fez um mudra, disse um mantra e logo se elevou nos ares. Pouco depois aterrava no telhado do Pavilhão da Harmonia Suprema, no centro da Cidade Proibida, a morada do Imperador da China. Esperou pela noite e procurou pelo arsenal militar.
Era um imenso edifício onde estavam depositadas as mais belas armas do Império do Meio. Por sorte havia também uma enorme carroça. O Rei Macaco escolheu as melhores espadas, lanças, alabardas, arcos e setas que atirou de qualquer modo para dentro da carroça. Quando esta estava cheia até mais não, sentou-se lá em cima, disse um mantra e voou, atravessando o telhado no meio de um barulho de trovão e de uma nuvem de pó.

Mesmo depois de numerosas e minuciosas buscas, os habitantes da Cidade Proibida não compreendiam quem teria feito tal buraco e roubado tantas armas de uma só vez. E sem deixar rasto... . O Imperador pediu aos seus adivinhos e mágicos que esclarececem o mistério. Consultaram o I Ching, o livro das transformações, entraram em transe  para conversar com os espíritos guardiões do palácio e acabaram por saber que um Imortal com cabeça de macaco, possuidor de muitos poderes tinha sido avistado por aquelas paragens. Então o Imperador da China mandou que escrevessem uma carta ao Imperador Celeste pedindo-lhe o castigo do culpado. A carta foi queimada e o fumo levou a mensagem ao Céu até ao trono do palácio das Alturas Celestes.

O Rei Macaco distribuira as armas imperiais aos seus soldados e agora todas as manhãs, o monte das Flores e dos Frutos ressoava de golpes mais sonoros, brilhava também de faíscas metálicas semelhantes a mil espelhos. 


Os animais da vizinhança ficaram tão impressionados que se prostraram aos pés do Macaco e reconheceram-no como seu soberano e pediram-lhe protecção. Sim, concedeu, em troca de um tributo. Deste modo, tomou ao seu serviço veados e cabritos monteses como montadas, tigres e panteras como cães de guarda.
O monte das Flores e dos Frutos tornou-se um reino poderoso, próspero e pacífico. Nenhum demónio, nenhum caçador ousava já rondar aquelas paragens.
Porém, o Rei Macaco ainda não estava satisfeito. Faltava-lhe alguma coisa. Não tinha arma ou vestuário à altura da sua categoria  e dos seus talentos. Não era ele um ser excepcional? Era necessário uma arma e uma veste extraordinárias.

.....continua.....


terça-feira, 16 de outubro de 2012

8

O Rei Macaco, às escondidas dos outros alunos, dirigia-se várias vezes por dia a uma gruta isolada, onde, no silêncio e na solidão, preparava o elixir de ouro no interior daquela cozinha que não era outra senão o seu próprio corpo. Depois de um ano de trabalho sentiu que a poção da imortalidade estava pronta. Activou a cozedura para ficar mais sólida e quando tal se produziu, teve enfim um outro corpo tão indestrutível como o diamante.
Correu para junto do seu Mestre para lhe anunciar a notícia.

- Muito bem, disse o Sábio, tens agora um corpo de luz. Transcendeste a morte. Poderás continuar a viver sem ter que reencarnar noutra forma.

- Sim. Ficarei na minha forma de macaco tanto tempo quanto durar o Céu e a Terra e estou bem contente. Creio que as minhas qualidades poderão ser úteis a toda a Criação.

- Talvez, mas não deves parar de te aperfeiçoar. Deves continuar a alimentar o teu corpo de diamante com a luz do espírito e reforçá-lo fazendo o Bem.

- Podeis estar tranquilo, assim farei.

- Falar é fácil, agir é difícil. Entre os dois há o oceano da ilusão. Devo prevenir-te de um outro perigo. O Grande Perfeito das Trevas e dos Infernos não gosta que escapem à sua autoridade, não admite que alguém possa subir ao Céu e viver entre os Imortais sem o seu acordo. Podes estar certo que enviará os pescadores dos mortos que lançarão a rede sobre a tua alma e arrastar-te-ão para o território da Sombra para que lá sejas julgado. 

- Que calamidade! Não me digais, Mestre, que fiz tantos esforços para atingir a imortalidade e ainda assim me arrisco a acabar no Inferno?

- Felizmente para cada problema sua solução. Vou ensinar-te o segredo dos setenta e dois passes mágicos. Poderás mudar de aparência à tua vontade, voar nos ares, tornar-te invisível e assim escaparás à polícia do Grande Perfeito das Trevas, na condição de te manteres sempre atento. Se deixares de estar vigilante sobre ti mesmo, eles acabarão por te apanhar.

E o Sábio ensinou-lhe os mudras e os mantras, gestos e palavras que dão os setenta e dois poderes mágicos.
Durante meses o Macaco exercitou-se. Não era muito fácil... a primeira vez que quis voar conseguiu descolar mas ficou de cabeça para baixo...

Os outros alunos que se deram conta da transformação do Macaco pensaram que ele teria um segredo e decidiram conhecê-lo.

Um dia quando passeavam pela floresta um deles disse:

- Há muito tempo que estás entre nós. Não achas que estás a perder o teu tempo? A procura da imortalidade para nós é difícil, para um animal como tu, é impossível.
Outro acrescentou:

- Mesmo vestido de rei, o macaco é sempre um animal e quando quer sorrir faz uma careta.
Todos riram às gargalhadas e o Macaco respondeu-lhes:

- Podeis rir de mim, mas eu sei que vos ultrapasso e muito. Tenho poderes que vós não tendes!

- Podes dizer o que quiseres que nós não acreditamos. 

- Pois bem, vou mostrar-vos o que sei fazer. Em que quereis que me transforme?

- Tenta transformar-te numa árvore.
O Macaco fez um mudra, disse um mantra, o seu corpo estremeceu e zás, tomou a aparência de um pinheiro.
Todos aplaudiram , nunca tinham visto tal maravilha.
De repente... grande silêncio. O Mestre acabara de aparecer. Com um gesto da sua vara afastou os discípulos, o Macaco nem se mexeu.

- É inútil jogares às escondidas, disse o Sábio, eu reconheci-te, incorrigível macaco. Toma a tua forma primitiva de primata.

O pinheiro estremeceu e surgiu de novo o Macaco.

- Apercebeste-te do que fizeste, miserável idiota? Mostraste aos teus colegasa os poderes que só pertencem aos Imortais. Arriscam-se agora a correr atrás dessas facilidades em vez de procurarem a verdadeira sabedoria. Os poderes mágicos só devem servir para te salvar de um grande perigo e para ajudar os outros.

- Mestre, não foi minha culpa. Troçavam de mim e eu quiz mostrar....

- Ah, infeliz, deixaste-te levar pelo orgulho! Não há maior defeito que esse. Ele conduzir-te-á, pela ponta do nariz, direitinho ao lugar dos demónios. Deixaste cair no teu corpo de diamante uma gota de imperfeição que te pode causar muitos dissabores.
Não tens mais lugar aqui. Mando-te embora. Volta para a tua terra e tenta corrigir a tua conduta. Sobretudo, não digas a ninguém quem te ensinou a imortalidade porque tenho vergonha de ti. 

O Macaco, com lágrimas nos olhos despediu-se do seu Mestre. 

Graças aos seus poderes elevou-se nos ares e voltou, mais rápido que o vento, para o monte das Flores e dos Frutos.
                                   
                                     .....continua.....

sábado, 13 de outubro de 2012

7

O Rei Macaco, no decurso de uma conferência em que o Sábio comentava passagens do Sutra do Coração, não parava quieto. 
Coçava-se, gesticulava, erguia as beiçolas, estalava a língua...

- Então macaco, voltaste a ser um vulgar animal? 

- Oh não, Mestre. É que não há nada do que dizeis que eu não saiba já. Mais de uma vez, já falastes de estas coisas.

- Achas, então que sou um velho caduco que já não sabe o que diz?

- Talvez nem toda a gente tenha ainda compreendido essa lição, mas eu conheço-a de cor e salteado. Gostaria de passar a outra coisa. Há sete anos que aqui estou e ainda não me ensinaste o segredo a imortalidade.

- Bem, então diz-me quais são os dois princípios que criam todas as coisas no Universo?

- É o yin e o yang. A força passiva e a força activa. O Céu, o homem, o espírito, o fogo são yang. A Terra, a mulher, a água, o corpo são yin. Mas sabeis que há também um terceiro princípio: o Tao. É ele que reúne os opostos.

- Vejo que te apercebeste da armadilha. Diz-me o que é a manifestação do Tao.

- O ser humano, o amor, o coração, a panela.

- Como assim?

- Simples. O ser humano reúne o céu e a terra, o amor reúne o homem e a mulher, o coração reúne o espírito e o corpo...

- Bem, e a panela?

- Não reúne ela a água e o fogo?

- Bem visto!... Penso que estás pronto para escalar a montanha da Perfeição Imortal. Há vários caminhos até ao topo. Uns fáceis mas longos, outros curtos mas difíceis. O indicado para ti é o método dos praticantes do yoga.

O que é isso?

- Trata-se de adoptar certas posições, ficar imóvel durante horas e respirar uma vez em lugar de cinco.

- Isso deve ser aborrecido com a continuação. É eficaz?

- É como um pilar de madeira que sustenta o telhado. Se a terra for húmida, o pilar pode apodrecer e o telhado desabar.

- Bem me parecia que não era um método muito bom. Não há outra maneira?

- Há o ascetismo. Come-se duas vezes por semana, só legumes cozidos, só se bebe água, deve-se banhar todos as manhãs, de Verão como de Inverno, numa torrente gelada. Não se deve dormir mais de quatro horas por noite e deve-se repetir com toda a força e sem parar a oração "Om mani padmi om".

- E isso é eficaz?

- É como louça de cerâmica que coze ao sol. Se chove, o trabalho é destruído.

-Também deve ser perigoso para a saúde. Não há outra coisa?

- Há a meditação. Concentras-te numa imagem mental e conserva-la presente no teu espírito durante horas.

- Em suma, é como uma ideia fixa. Há quem fique louco dessa maneira.

- É como o reflexo da lua no lago. Alguns julgam apanhar a lua na água e afogam-se.

- Mas então, existe alguma coisa eficaz?

- Basta, estúpido macaco, gastas-me a paciência!

E o Mestre aproximou-se do macaco, brandindo a sua vara de bambú e deu-lhe três pancadas na cabeça e uma no rabo e foi para o seu quarto, onde se fechou à chave. Todos os outros alunos olharam o macaco com desprezo. Aquele animal mal educado tinha zangado o Mestre. Por causa dele não ensinaria mais nada nessa tarde e talvez mesmo em toda a semana...
Mas o Macaco fez-lhes uma careta e saiu para o jardim para reflectir. Dizia para consigo: 
"É estranho, o Mestre, que é Sábio, encolerizou-se. Ele, sempre tão calmo como uma estátua de jade... Isto deve esconder alguma coisa... Vejamos. Três pancadas na cabeça.... Poderia ser: a terceira vigília. Uma pancada no traseiro...: Por trás. Mas sim, é isso... Ele marca-me encontro na terceira vigíla no seu quarto, pela porta das traseiras."

Naquela noite o Macaco fingiu que dormia. Um pouco antes da terceira vigília levantou-se sem fazer barulho, vestiu-se e atravessou o dormitório e o corredor, silencioso como uma sombra. Entrou no quarto do Sábio pela porta das traseiras, que tinha ficado aberta. O Mestre não dormia.

- Bravo, compreendeste a mensagem. Nunca tive discípulo tão dotado como tu. Soubeste rodear todas as ciladas. Vou-te ensinar a receita da imortalidade, mas peço-te segredo absoluto. É perigoso para quem não está preparado. Escuta bem e grava as minhas palavras no teu coração.  

E o Mestre transmitiu-lhe a grande arte mágica da cozedura alquímica. Explicou-lhe que o seu corpo era como uma cozinha. Arrumada e limpa podia servir-se dos instrumentos para preparar o licor de ouro, a poção da imortalidade. Indicou-lhe onde encontrar o recipiente, de que modo misturar os ingredientes, que mais não são do que os cinco elementos. Mostrou-lhe a maneira de atiçar o fogo e controlar a chama do espírito. Disse-lhe o tempo de cozedura necessário para que o seu corpo se tornasse indestrutível como um diamante e para acabar:

- Está vigilante durante todo esse tempo para que a cozinha esteja limpa. Que nenhuma poeira de desejo, que nenhuma impureza de orgulho caia na preparação! Ou lamentá-lo-ias...

O Macaco agradeceu ao Mestre e a partir daquela noite pôs-se a preparar a receita da imortalidade no maior segredo.

.....continua.....



quarta-feira, 10 de outubro de 2012

6

O Rei Macaco, logo que desembarcou na ilha das Três Estrelas entrou na floresta que cobria as encostas da montanha Varanda do Coração. Seguiu vários caminhos, perdido, até que por fim chegou à entrada da caverna onde vivia o Sábio Imortal. Uma pesada porta de madeira vedava-lhe o acesso. Por cima estava gravado na pedra: "Escola do Despertar. Bem vindo o que busca a Luz, desgraça àquele que se prende na sua sombra."


O macaco coçou a cabeça. Não sabia bem o que aquelas palavras queriam dizer... e preferiu pensar nelas um pouco antes de bater à porta. Deu uma volta pelo jardim à frente da gruta, onde avistou uma cerejeira carregadinha de cerejas bem maduras. Não pôde impedir-se de trepar à árvore e de colher algumas... Hum, eram excelentes !
Ouviu um rangido. A porta entreabriu-se e um jovem apareceu.

- Quem faz toda esta agitação ? - perguntou. 

O macaco saltou da cerejeira, limpou as beiçolas sujas de vermelho e disse :


- Fui eu, queira desculpar-me. A porta estava fechada e enquanto esperava, ahnn...

- Quem sois vós e o que fazeis aqui ?

- Bem, sou um viajante vindo de longe para seguir os ensinamentos do Sábio Imortal !

- Vós, candidato à Sabedoria ??... Enfim, o Mestre decidirá. Siga-me !

O jovem conduziu o visitante por intermináveis corredores e escadarias até que por fim o levou a uma grande sala onde estava o Sábio sentado com os seus discípulos. Era um homem sem idade com grandes barbas brancas. Os olhos tinham o brilho do diamante e o olhar era tão profundo, tão penetrante... Parecia-lhe que aquele Sábio podia ler-lhe os pensamentos... Prostrou-se-lhe aos pés por três vezes e disse :


- Grande Imortal, mal ouso erguer os meus olhos para o vosso augusto rosto, mas peço-vos, dignai-vos aceitar minha miserável pessoa entre os vossos discípulos !

- Ora, pára lá com essas delicadezas ! Nem tudo o que luz é ouro ! Diz-me antes quem és e donde vens.

- Eu não tenho nome e venho de muito longe, do monte das Flores e dos Frutos.

- Ah !... Aproxima-te para que veja como és. ... Oh, mas tu és da raça dos macacos ! Querias que te ensinasse a sabedoria e a imortalidade ?! Já é muito difícil para os homens, então para um macaco, nem pensar !

- Mas eu não sou um macaco como os outros. Nasci de um rochedo, fecundado pelo sol, lua e vento, falo como os humanos, fui rei e até sou mestre de artes marciais, atravessei um continente e o oceano para vos encontrar. Nem todos os homens fariam tanto !

- Bem, bem,... Se és filho do Céu e se percorreste todo esse caminho, não és, sem dúvida, um ser vulgar. O teu caso merece que por ele nos interessemos. Quero-te aceitar à experiência entre os meus alunos. 

O Rei Macaco saltitou e bateu palmas, agradecendo ao mestre.
No dia seguinte um dos alunos mais antigos deu ao macaco o trabalho desse dia : varrer as escadas, os corredores e o dormitório, cavar a terra, tirar as ervas e limpar as veredas do jardim.

- Eh ! Tenho de fazer tudo isso ? Tendes a certeza ?

- Foi o Mestre que o ordenou. Porquê ?

- Não... nada... 

Pegou na vassoura e fez ob trabalho. Depos cavou e roçou. Durante todo o dia repetia para si próprio :
"Que infelicidade. Eu que fui rei outrora aqui estou, último entre os últimos... um simples servidor. Tenho as mãos cheias de pó, terra e bolhas. Se é preciso passar por isto, passarei. Não fiz todo este caminho para nada. O velho Sábio não conseguirá desencorajar-me".

No dia seguinte, no outro, no outro e no outro, durante um ano, mandaram-lhe fazer a mesma tarefa. E nunca o Rei Macaco se lamentou. Acabou por fazer o trabalho assobiando e pensando noutras coisas.

Finalmente o Sábio Imortal mandou-o chamar e perguntou-lhe :

- Então, Macaco, que compreendeste tu àcerca do trabalho que aqui fazes ?

Bem, Mestre, creio que é um mau bocado que tenho que passar. É sem dúvida um exame de entrada para me pôr à prova.

- Não é suficiente, disse o Sábio, é preciso que continues para melhor compreenderes.

- Mas o que há para além disto para eu compreender? Varro para que tudo esteja limpo, jardino para fazer crescer as flores, os frutos e os legumes, e é tudo !

- Não, não é tudo. Não haverá em ti mesmo, também, uma casa para varrer, um jardim para cultivar ?

E o Macaco recomeçou a varrer e a limpar, perguntando-se se seria assim que se tornaria imortal. Reflectia também nas palavras do Mestre. Onde poderiam estar essa casa e esse jardim interiores.


Um dia, enquanto varria com espírito bem longe dali, sentiu uma forte pancada nas costas, Virou-se, furioso, para ver quem lhe batera. Era o Mestre que segurava uma vara de bambú na mão.

- Então, Macaco. É assim que trabalhas ? A pensar noutras coisas, a sonhar ? Pensava que eras um mestre em artes marciais, para onde foi a tua concentração ? Dormias sem dúvida, pois não me ouviste chegar. Não te esqueças que estás numa Escola de Despertar. O teu espírito é a tua vassoura. Tenta tê-la sempre à mão para que a poeira não te cegue.

A partir desse dia, o macaco mudou a sua maneira de trabalhar. Concentrava-se nos seus movimentos para estar sempre à escuta do que se passava, no exterior e no interior de si mesmo.
Por várias vezes o Mestre conseguiu surpreendê-lo. Recebia então uma grande pancada com a cana de bambú no momento em que menos esperava. O Macaco redobrou os seus esforços.
Aconteceu que uma vez ouviu os passos do Mestre sobre o saibro, virou-se justamente a tempo de desviar o golpe com o cabo da vassoura.

- Está bem, disse o Sábio, fazes progressos. Continua.

De aí em diante, nunca mais o Mestre conseguiu surpreender o Macaco. Tinha desenvolvido uma tal concentração que pressentia a presença de quem quer que fosse a vários metros de distância, sem o ver nem ouvir. Tinha adquirido um sexto sentido. E tinha tomado gosto pelo seu trabalho. Os gestos tornaram-se harmoniosos. A vassoura e o ancinho dançavam nas suas mãos. Tinha descoberto outro segredo: Sentia prazer em ver o jardim, em cheirar o perfume das flores. Tinha sempre um sorriso, uma palavra bem disposta quando se cruzava com alguém. Tornou-se o mais simpático companheiro de entre todos os alunos.

Menos de dois anos após a sua chegada, o Sábio convocou-o novamente.

- Macaco, o que compreendeste do teu trabalho aqui?

- O meu corpo é a minha casa, o meu coração o meu jardim. Não paro de varrer um para que o o outro floresça.

- Bravo, aprendeste muito. Habitualmente são precisos dez anos para se atingir isso.

- Então, Mestre, talvez me possas ensinar o segredo da imortalidade...

- És demasiado impaciente. A preparação não terminou. É necessário outro trabalho.

No dia seguinte, o Macaco foi nomeado cozinheiro. Para além das suas funções, foi-lhe permitido ir à biblioteca e à sala de estudo. Teve também lições de pintura, caligrafia e poesia.
Leu velhos livros de ciências, as vidas e as palavras de Buda e de Lao Tze, aprendeu a compor poemas e a pintar. Aprefeiçoou, por meio de exercícios, a sua concentração e as explicações do Mestre permitiram-lhe compreender muitas coisas.

Assim se passartam outros cinco anos, mas o Macaco não conhecia ainda o segredo que viera procurar. Ao longo de todo esse tempo, outros pêlos brancos apareceram no seu bigode.

.....continua.....






terça-feira, 9 de outubro de 2012

Num dia particularmente ventoso, durante a caminhada matinal com os seus discípulos, na margem do rio, o mestre entrou pela água tentando salvar um escorpião se debatia com as ondas.
Assim que o segurou, logo o largou com as dores provocadas pela picada venenosa. Voltou a pegar no escorpião e pô-lo a salvo em terra.

- Mestre, porque salvaste esse animal que te aleijou quando o estavas a ajudar. Que dores deves ter sentido ! O que devias ter feito era deixar morrer esse ingrato.

- O escorpião comportou-se de acordo com a sua natureza e eu de acordo com a minha. - foi a resposta do mestre

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

5

O Rei Macaco caminhou algum tempo ao longo da margem batida pelas vagas agitadas. Ao cair da noite, entrou numa aldeia de pescadores para jantar na albergaria. Sentou-se ao lado de um velho marinheiro e conversou com ele. Viajara muito e tinha visto lugares pouco conhecidos. O Rei Macaco ofereceu-lhe um copo de vinho de arroz e perguntou-lhe se sabia onde encontrar um Venerável Imortal. O marinheiro enquanto bebia procurou nas suas recordações e respondeu:

- Parece-me ter ouvido falar de um Imortal que vivia numa gruta, com os seus discípulos, nos flancos da montanha Varanda do Coração que se ergue no centro da ilha das Três Estrelas. 

Depois de ter agradecido, o Rei Macaco dirigiu-se ao porto onde estavam ancorados vários barcos. Encontrou um pescador que aceitou levá-lo à ilha das Três Estrelas em troca de algum dinheiro. O Rei Macaco deu-lhe todo o dinheiro que tinha, subiu a bordo e no dia seguinte levantaram ferro. 

Conta-se que, depois de várias horas de navegação, quando a costa não era mais do que um fio de seda no horizonte, foram atacados por um barco de piratas malaios armados até aos dentes. O pescador com tanto medo atirou-se à água e o Macaco teve que se defrontar só contra todos aqueles guerreiros. Macaco e bastão desviavam flechas, partiam lanças, apertavam narizes, e batiam tanto que desbarataram aqueles mal-encarados.

Certo, certo é que o Rei Macaco saltou, sem problemas, de um barco pirata para a ilha onde vivia um desses famosos Imortais. 

Faltava, agora, encontrar a gruta do Sábio e conhecer o seu segredo.

.....continua.....

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

 4

O Rei Macaco despediu-se do seu povo, confiou a governação ao velho macaco sábio e partiu.
Desceu a encosta verdejante do Monte das Flores e dos Frutos e enveredou por uma estrada traçada pelos homens que o levou através de campos até uma aldeia.

O Rei Macaco entrou agitando os braços e soltando gritos para saudar os homens. Estava feliz por encontrar pela primeira vez aqueles seres que tanto se lhe assemelhavam. Mas ele falava a linguagem de macaco... Quando os homens viram chegar aquele animal excitado agarraram em pedras e atiraram-lhas. O macaco teve que fugir a quatro patas para correr mais depressa. Enquanto fugia dizia para si:
"Ora esta, os homens não são muito acolhedores ! Não se tem tempo de dar os bons dias e já eles dizem adeus ! Não vai ser fácil viver no meio deles..."

Mas o Rei Macaco era matreiro... À saida da aldeia passou por um rio onde um homem se banhava. Escondeu-se atrás de um chorão, aproximou-se do lugar onde o nadador tinha deixado ficar as roupas, pegou nelas e escapuliu-se para uma moita de bambús. Aì o Rei Macaco vestiu-se como um homem. As calças e a túnica escondiam-lhe o pêlo e o grande chapéu redondo tapava-lhe o rosto. E continuou o caminho sorrindo ao pensar no homem que tinha que voltar para casa todo nú.

Assim, o Rei Macaco chegou incógnito a uma grande cidade.
Instalou-se na praça do mercado para observar a multidão que por lá passava. Estudou os gestos e a linguagem dos homens e porque era muito esperto soube logo comportar-se como eles.
Aprendeu também que não se podia viver no meio dos homens sem dinheiro. Não o tinha e teve que roubar alguns frutos de uma das cestas, para não morrer de fome. Um dos muitos guardas que vigiavam a praça apercebeu-se do roubo e começou a correr atrás dele. "Agarra que é ladrão !"- gritava. Outros guardas se juntaram e não tardaram a cercar o fugitivo... Exactamente quando iam apanhá-lo, o Macaco saltou para o telhado de uma casa e consegiu assim escapar-se por um triz à prisão. Não queria mais roubar. era demasiado arriscado. Teria, portanto, que arranjar um trabalho. Mas ele era rei, não queria sujar as suas delicadas mãos a varrer o pó, a cavar a terra ou a trabalhar o ferro. Também não sabia ler e escrever...
Pensou: "Porque não hei-de ser guarda ? Não é um trabalho muito fatigante. Pouco mais se faz que passear e vigiar discretamente. Pode-se ir a todo o lado e aprender muito, o que me permitirá talvez encontrar um Sábio Imortal. Bonito uniforme, armas brilhantes... De quando em vez é preciso agir e lutar. Arriscado se não se souber sevir-se bem das armas.
Comecemos pelo mais importante !"

O Rei Macaco procurou então na cidade uma escola de combate.
Ouviu falar de um mestre afamado pela sua eficácia.
O Macaco foi aceite como aluno e em primeiro aprendeu  a arte de luta com mãos livres. Exercitou-se a dar pontapés, murros, esquivas. evitar, fazer cair e imobilizar. Depois aprendeu o uso do bastão, da lança, da espada e de muitas outras armas usadas naquela época. Desenvolveu assim a sua concentração, força e rapidez. Em três meses tinha ultrapassado todos os outros, mesmo aqueles que lá se treinavam há dez anos.
Foi assim que o Macaco se tornou ele próprio um mestre muito considerado.

Mas o Rei Macaco não tinha esquecido o seu objectivo. Em qualquer lugar para onde se dirigisse perguntava se alguém conhecia um Sábio Imortal. Por toda a parte recebia um encolher de ombros, mas não desistia. Quando tinha percorrido um país mudava para outro e recomeçava a busca. De longe em longe ouvia histórias de Imortais, mas quando interrogava respondiam que tinham ouvido de um outro narrador ou tinham lido num livro.
Assim o Macaco acabou por aprender a ler. Pesquisou nas bibliotecas e encontrou livros com receitas da imortalidade, mas com nomes tão complicados que o Rei Macaco não percebia nada. O que queria dizer "abraço da serpente e da tartaruga, "a lebre de jade", "o corpo de diamante", "o elixir de cinábrio" ?...

- Que algarviada ! É forçoso que eu encontre um verdadeiro Sábio Imortal para me explicar todas estes mistérios !

E o Rei Macaco continuou o seu caminho. Viajou durante meses, anos, por vales verdejantes, planicies desérticas, montanhas escarpadas, florestas obscuras. Enfrentou muitos perigos, teve de combater centenas de tigres, lobos e bandidos. Felizmente nunca se separava do seu bastão, que manejava como ninguém.

Ao fim de sete anos tinha atravessado todo o continente. Chegara diante do oceano !
.....continua.....

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

3

A existência dos macacos havia mudado muito.

Acabara-se a vida selvagem e livre nas árvores.

 De agora em diante habitavam num palácio. O que nasceu de uma pedra tomou o título de Perfeito Rei Macaco e nomeara o velho macaco sábio seu primeiro-ministro. Com os seus conselhos, começou a organizar o reino. Cada grupo recebeu um trabalho bem preciso. Os gorilas eram soldados e os gibões, mais astutos, oficiais. Tinham mocas de madeira e lanças de bambú. Assim mantinham afastados os tigres, as panteras e os caçadores. Os chimpanzés eram artífices e recolhiam os frutos. Fabricavam cestos de vime e potes de barro para transportar as colheitas. Os babuínos passaram a ser artistas, acrobatas, músicos , cantores e contadores de contos e tinham muito trabalho pois o rei dava muitas festas no palácio da Cortina de Pérolas.

Estas festividades eram muito alegres. Os macacos dançavam ao som de tambores, flautas e batidas de paus. Saboreavam os frutos mais suculentos, carnudos e saborosos das colheitas, bebiam vinhos de pêssego e figo, licores de amoras e cerejas !
O velho macaco sábio tinha transmitido aos seus semelhantes o segredo da fabricação do álcool !

A vida dos macacos era menos livre, mas eles não perdiam com a troca. Tinham a compensação da segurança, da abundância e dos novos prazeres. Que mais desejar ? Tudo se passava no meio do bom humor porque o Perfeito Rei Macaco era bondoso. Nas festas era sempre o primeiro a espalhar a alegria. Logo que acabava de presidir ao conselho de ministros, depois de assegurar que tudo ia bem no reino, ia entrgar-se às suas ocupações favoritas: provar saladas com gengibre e licores perfumados, visitinhas aos aposentos das  suas concubinas. Tinha várias macacas graciosas de lábios delicados, doces como pétalas de rosa. Vinte e oito, quase uma para cada dia do mês, o que lhe proporcionava muitas ocupações agradáveis... . O Rei Macaco tinha como modelo o imperador da China.

As Primaveras radiosas sucediam-se ás Primaveras radiosas, renovando sem cessar os prazeres e encantamentos. A vida dos macacos e do seu rei corria ao sabor da tranquilidade e do bem-estar.

Um dia, durante o mês das cerejeiras em flor, quando o povo macaco festejava o aniversário da coroação deu-se um estranho acontecimento: o Perfeito Rei Macaco permanecia sentado no trono de pedra tão imóvel como uma estátua de marfim. Ele que era sempre o primeiro a dançar e a divertir-se ! Os ministros ficaram inquietos. Aproximaram-se do trono. Foi então que viram rolar na sua face... uma lágrima.

- Que se passa, perguntou o velho macaco sábio, há alguma má notícia ?

- Não, não é isso, respondeu o Rei Macaco.

- Mas então, porque estais tão triste ? Festejamos o vosso real aniversário !

- É justamente por isso. Um ano mais. Estou a envelhecer... .

- Mas não, sois jovem e brilhante, estais na flor da idade !

- Ontem observei-me nas águas calmas do lago de cristal e descobri um pêlo branco no meu bigode. Todos aqui sofremos a lei do tempo. Vi morrer mais de um velho macaco e basta-me olhar-te a ti, meu querido primeiro-ministro, para ver o peso dos anos curvar as tuas costas. Um dia serei como tu, caminharei com uma bengala e não me restará muito tempo para viver. Não posso aceitar essa ideia. Porque não aproveitar eternamente os prazeres da terra ?

Perante este pensamento, todos os ministros baixaram a cabeça tristemente. Também eles pensavam na sua morte.
Então o velho macaco sábio disse:

- Majestade, na terra dos humanos ouvi falar de certos seres que a morte não pode atingir. Chamam-lhes Imortais. Eles são de várias espécies. Entre os homens, há os Veneráveis Sábios e os Feiticeiros. Entre os espíritos, há os Imortais do Céu e os Demónios. Mas deixai-me dizer que sómente os Veneráveis Sábios ensinam na terra o caminho justo que conduz à imortalidade, senão arrisca-se a seguir o caminho que conduz direitinho aos Demónios.

- Muito bem, disse o Rei Macaco, devolveste-me a alegria de viver. Irei em busca de um desses Sábios para que me ensine o seu segredo. Amanhã pôr-me-ei a caminho !

E o Rei Macaco voltou para a festa onde, como de costume, dirigiu a dança e presidiu aos divertimentos.

..... continua .....