sábado, 13 de outubro de 2012

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O Rei Macaco, no decurso de uma conferência em que o Sábio comentava passagens do Sutra do Coração, não parava quieto. 
Coçava-se, gesticulava, erguia as beiçolas, estalava a língua...

- Então macaco, voltaste a ser um vulgar animal? 

- Oh não, Mestre. É que não há nada do que dizeis que eu não saiba já. Mais de uma vez, já falastes de estas coisas.

- Achas, então que sou um velho caduco que já não sabe o que diz?

- Talvez nem toda a gente tenha ainda compreendido essa lição, mas eu conheço-a de cor e salteado. Gostaria de passar a outra coisa. Há sete anos que aqui estou e ainda não me ensinaste o segredo a imortalidade.

- Bem, então diz-me quais são os dois princípios que criam todas as coisas no Universo?

- É o yin e o yang. A força passiva e a força activa. O Céu, o homem, o espírito, o fogo são yang. A Terra, a mulher, a água, o corpo são yin. Mas sabeis que há também um terceiro princípio: o Tao. É ele que reúne os opostos.

- Vejo que te apercebeste da armadilha. Diz-me o que é a manifestação do Tao.

- O ser humano, o amor, o coração, a panela.

- Como assim?

- Simples. O ser humano reúne o céu e a terra, o amor reúne o homem e a mulher, o coração reúne o espírito e o corpo...

- Bem, e a panela?

- Não reúne ela a água e o fogo?

- Bem visto!... Penso que estás pronto para escalar a montanha da Perfeição Imortal. Há vários caminhos até ao topo. Uns fáceis mas longos, outros curtos mas difíceis. O indicado para ti é o método dos praticantes do yoga.

O que é isso?

- Trata-se de adoptar certas posições, ficar imóvel durante horas e respirar uma vez em lugar de cinco.

- Isso deve ser aborrecido com a continuação. É eficaz?

- É como um pilar de madeira que sustenta o telhado. Se a terra for húmida, o pilar pode apodrecer e o telhado desabar.

- Bem me parecia que não era um método muito bom. Não há outra maneira?

- Há o ascetismo. Come-se duas vezes por semana, só legumes cozidos, só se bebe água, deve-se banhar todos as manhãs, de Verão como de Inverno, numa torrente gelada. Não se deve dormir mais de quatro horas por noite e deve-se repetir com toda a força e sem parar a oração "Om mani padmi om".

- E isso é eficaz?

- É como louça de cerâmica que coze ao sol. Se chove, o trabalho é destruído.

-Também deve ser perigoso para a saúde. Não há outra coisa?

- Há a meditação. Concentras-te numa imagem mental e conserva-la presente no teu espírito durante horas.

- Em suma, é como uma ideia fixa. Há quem fique louco dessa maneira.

- É como o reflexo da lua no lago. Alguns julgam apanhar a lua na água e afogam-se.

- Mas então, existe alguma coisa eficaz?

- Basta, estúpido macaco, gastas-me a paciência!

E o Mestre aproximou-se do macaco, brandindo a sua vara de bambú e deu-lhe três pancadas na cabeça e uma no rabo e foi para o seu quarto, onde se fechou à chave. Todos os outros alunos olharam o macaco com desprezo. Aquele animal mal educado tinha zangado o Mestre. Por causa dele não ensinaria mais nada nessa tarde e talvez mesmo em toda a semana...
Mas o Macaco fez-lhes uma careta e saiu para o jardim para reflectir. Dizia para consigo: 
"É estranho, o Mestre, que é Sábio, encolerizou-se. Ele, sempre tão calmo como uma estátua de jade... Isto deve esconder alguma coisa... Vejamos. Três pancadas na cabeça.... Poderia ser: a terceira vigília. Uma pancada no traseiro...: Por trás. Mas sim, é isso... Ele marca-me encontro na terceira vigíla no seu quarto, pela porta das traseiras."

Naquela noite o Macaco fingiu que dormia. Um pouco antes da terceira vigília levantou-se sem fazer barulho, vestiu-se e atravessou o dormitório e o corredor, silencioso como uma sombra. Entrou no quarto do Sábio pela porta das traseiras, que tinha ficado aberta. O Mestre não dormia.

- Bravo, compreendeste a mensagem. Nunca tive discípulo tão dotado como tu. Soubeste rodear todas as ciladas. Vou-te ensinar a receita da imortalidade, mas peço-te segredo absoluto. É perigoso para quem não está preparado. Escuta bem e grava as minhas palavras no teu coração.  

E o Mestre transmitiu-lhe a grande arte mágica da cozedura alquímica. Explicou-lhe que o seu corpo era como uma cozinha. Arrumada e limpa podia servir-se dos instrumentos para preparar o licor de ouro, a poção da imortalidade. Indicou-lhe onde encontrar o recipiente, de que modo misturar os ingredientes, que mais não são do que os cinco elementos. Mostrou-lhe a maneira de atiçar o fogo e controlar a chama do espírito. Disse-lhe o tempo de cozedura necessário para que o seu corpo se tornasse indestrutível como um diamante e para acabar:

- Está vigilante durante todo esse tempo para que a cozinha esteja limpa. Que nenhuma poeira de desejo, que nenhuma impureza de orgulho caia na preparação! Ou lamentá-lo-ias...

O Macaco agradeceu ao Mestre e a partir daquela noite pôs-se a preparar a receita da imortalidade no maior segredo.

.....continua.....