quarta-feira, 24 de outubro de 2012

10

O Rei Macaco recordou-se de ter ouvido falar dos tesouros que se amontoavam no Palácio Submarino do Rei Dragão. Dizia-se serem maravilhas que ultrapassavam, em muito, os miseráveis objectos em ouro, jade e cristal que existiam nos palácios dos humanos. Decidiu ir fazer uma visitinha de cortesia! 
Após uma viagem de dez minutos pelos ares, pousou na costa oriental. Fez o mudra e disse o mantra da penetração na água, entrou pelas ondas e caminhou pelo fundo do mar sem se molhar.
Descobriu uma paisagem magnífica: rochedos musgosos, pradarias de algas ondulantes, cardumes de peixes de escamas cintilantes... De súbito deu com dois guardas com cabeça de tubarão, de lanças na mão...


Mal teve tempo de os saudar. Alarmados tinham partido a toda a velocidade alertar o superior. Nunca se tinha visto um macaco no fundo do mar e julgaram tratar-se de um demónio. Do capitão caranguejo, passando pelo general baleia, a notícia chegou ao Rei Dragão, que declarou prudentemente:
- Se esse estrangeiro não está molhado deve ser um Imortal enviado pelo Céu para inspeccionar o meu reino. Recebam-no como convém!

O Rei Macaco, rodeado pela comitiva, maravilhado com o que via, não parava de gesticular e de gritar. Era jardins com canteiros de corais, anémonas e estrelas do mar, veredas de areia dourada com vários motivos, colunas de madrepérola e tectos de conchas, as armaduras brilhantes dos crustáceos da guarda real, as paredes cobertas de ouro na sala do trono, móveis talhados em pedras perciosas e pérolas gigantescas... Achou aquilo tão belo que não podia impedir-se de saltar e fazer piruetas.
"Mas que espécie de Imortal será este? perguntou-se o Rei Dragão, tem uns modos bizarros. A menos que no Céu esta seja a última moda de saudar."
Nada deixou transparecer deste pensamento, desejou as boas vindas ao hóspede e mandou que lhe servissem chá de algas fumadas e bolinhos de areia.


- Puah, que horror! - disse o Rei Macaco perante o olhar aterrado da corte submarina que o vira cuspir o trago de chá que tinha bebido, salpicando os pés do Rei Dragão. 
É com uma bebida tão abjecta, que se diria um medicamento, que me recebeis no palácio? Não fabricais nenhum licor doce?
- Claro que sim. Trazei o vinho de corais! - ordenou o Rei Dragão que continuava a pensar ter diante de si um inspector celeste.
- Ah, este já não é mau.
- Ainda bem que gostais. Explicai-me, então, o motivo da vossa visita e dai-me notícias lá do alto.
- Sou o Rei Macaco, vosso vizinho. O meu reino não fica longe daqui e vim fazer uma visita de cortesia.
- Então não sois mais de que um vulgar animal da terra...
- Olhe lá! Seja educado ou vou puxar-lhe os bigodes! Eu sou filho do Céu, adquiri a Imortalidade e os setenta e dois poderes. Apesar da vossa estatura poderia fácilmente pôr-vos chato como um linguado.
- Comportê-mo-nos como pessoas bem educadas. O que posso fazer por vós?
- Ouvi dizer que o vosso palácio é um verdadeiro cofre-forte onde dormem montanhas de maravilhas. Não tendes, por acaso, uma arma à altura dos meus talentos?
O rei mandou os seus servos desprenderem da parede um sabre de aço com o resguardo encrustado de esmeraldas. A arma pesava perto de mil jin. O Macaco pegou nela, fez alguns molinetes e entregou-a, dizendo:
- Muito leve para mim, quase não a sinto na mão. Dai-me outra coisa.
Trouxeram-lhe uma lança talhada num longo diamante. Pesava bem uns dois mil jin. Assim que o Rei Macaco lhe pegou, ela quebrou. Deram-lhe, então, uma alabarda feita de uma costela e omoplata de uma baleia. Cerca de três mil jin era o peso dela.


O macaco fê-la voltear à sua volta e ao passar partiu um jarrão de jade.
- Prestai atenção, exclamou o Rei Dragão, era um presente de casamento.
- Desolado, mas esta arma, também a não sinto na mão. Dai-me uma arma digna de mim.
- Nada melhor tenho para vos ofereçer. Levai-a e deixai-me, nada mais posso fazer.
- Não, não, não! De certeza tendes algo melhor. Não partirei daqui sem levar o que vim cá buscar.


O assunto estava embaraçoso. O Rei Dragão sentia-se perturbado. O macaco parecia tão perigoso... Foi então que a sua esposa, a Rainha Dragão, se aproximou para lhe dizer ao ouvido:


- Querido esposo, porque não lhe dais aquele bastão de ferro que está no pavilhão Umbigo do Oceano?
- O quê? Nem pensar. Devemos conservá-lo piedosamente. O grande You, nosso antepassado, serviu-se dele para a criação da terra, para aplanar o fundo dos mares. Além disso, só ele o pode erguer.
- Uma arma divina? É isso que me convém! Onde está ela? - exclamou o Macaco.
O dragão preferiu levar o seu indesejável hóspede ao pavilhão. O Rei Macaco lá descobriu uma imensa barra de ferro que irradiava uma luz azulada. Era uma coluna de três chang de comprimento e cada uma das extremidades era coberta por um punho de ouro.


O Macaco ergueu-a com uma só mão e tentou aprumá-la. A manobra fez voar em bocados uma parede de cristal e furou o tecto de conchas.


- Oh! Ela pesa pelo menos doze mil jin - pensou o Rei Macaco. Sinto-a bem na mão, mas é demasiado comprida para poder manejá-la.
Disse um mantra e ela reduziu-se ao tamanho de um bordão.
- Deste modo é uma arma mais concentrada. Só se tornará mais eficaz.
Quando o Rei Dragão o viu voltar com o famoso bastão de ferro, pôs-se a tremer. Nunca tinha visto um ser tão poderoso. Tentou não mostrar o seu pavor.
- Muito bem, querido vizinho, eis-vos satisfeitos. Só nos resta despedir-nos.
- Nada de pressas, mal travamos conhecimento e logo me despedis. Não sois muito delicado.
- Não tendes já o que desejáveis?


- Pois não! o que pareço agora? Tenho uma arma divina e vestes desbotadas. Isto não liga bem. Deveis dar-me também uma veste divina... Não vos esqueceis que "aquele que cava um poço, se não atinge a nascente, perdeu o seu trabalho". Não vos deixarei cometer esse erro. Eu velo pela vossa alma e se for preciso utilizarei os grandes meios!
O Rei Macaco fez voltear o bastão de ferro que sibilou no ar.


O Rei Dragão tapou a cara com as mãos e disse:
- Parai, não quebreis mais nada por aqui. Dar-vos-ei um trajo e adornos dignos de um rei celeste.
Por ordem sua, as servas tartarugas foram ao guarda roupa e trouxeram um capacete de ouro ornamentado com plumas de fénix, uma armadura de diamante e botas bordadas com pérolas raras. O Rei Macaco aplaudiu e vestiu-os. Depois abandonou o Palácio Submarino dizendo:
- Adeus e nada de rancores, velho monstro!


O Rei Dragão permaneceu mudo como uma carpa. Nunca ninguém o tinha tratado por velho monstro.
"Bom, grande patife, adeus talvez, mas sem rancor é que não. Vais ouvir falar de mim em breve porque vou enviar um relatório ao alto local." 

                                  .....continua.....








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