quarta-feira, 10 de outubro de 2012

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O Rei Macaco, logo que desembarcou na ilha das Três Estrelas entrou na floresta que cobria as encostas da montanha Varanda do Coração. Seguiu vários caminhos, perdido, até que por fim chegou à entrada da caverna onde vivia o Sábio Imortal. Uma pesada porta de madeira vedava-lhe o acesso. Por cima estava gravado na pedra: "Escola do Despertar. Bem vindo o que busca a Luz, desgraça àquele que se prende na sua sombra."


O macaco coçou a cabeça. Não sabia bem o que aquelas palavras queriam dizer... e preferiu pensar nelas um pouco antes de bater à porta. Deu uma volta pelo jardim à frente da gruta, onde avistou uma cerejeira carregadinha de cerejas bem maduras. Não pôde impedir-se de trepar à árvore e de colher algumas... Hum, eram excelentes !
Ouviu um rangido. A porta entreabriu-se e um jovem apareceu.

- Quem faz toda esta agitação ? - perguntou. 

O macaco saltou da cerejeira, limpou as beiçolas sujas de vermelho e disse :


- Fui eu, queira desculpar-me. A porta estava fechada e enquanto esperava, ahnn...

- Quem sois vós e o que fazeis aqui ?

- Bem, sou um viajante vindo de longe para seguir os ensinamentos do Sábio Imortal !

- Vós, candidato à Sabedoria ??... Enfim, o Mestre decidirá. Siga-me !

O jovem conduziu o visitante por intermináveis corredores e escadarias até que por fim o levou a uma grande sala onde estava o Sábio sentado com os seus discípulos. Era um homem sem idade com grandes barbas brancas. Os olhos tinham o brilho do diamante e o olhar era tão profundo, tão penetrante... Parecia-lhe que aquele Sábio podia ler-lhe os pensamentos... Prostrou-se-lhe aos pés por três vezes e disse :


- Grande Imortal, mal ouso erguer os meus olhos para o vosso augusto rosto, mas peço-vos, dignai-vos aceitar minha miserável pessoa entre os vossos discípulos !

- Ora, pára lá com essas delicadezas ! Nem tudo o que luz é ouro ! Diz-me antes quem és e donde vens.

- Eu não tenho nome e venho de muito longe, do monte das Flores e dos Frutos.

- Ah !... Aproxima-te para que veja como és. ... Oh, mas tu és da raça dos macacos ! Querias que te ensinasse a sabedoria e a imortalidade ?! Já é muito difícil para os homens, então para um macaco, nem pensar !

- Mas eu não sou um macaco como os outros. Nasci de um rochedo, fecundado pelo sol, lua e vento, falo como os humanos, fui rei e até sou mestre de artes marciais, atravessei um continente e o oceano para vos encontrar. Nem todos os homens fariam tanto !

- Bem, bem,... Se és filho do Céu e se percorreste todo esse caminho, não és, sem dúvida, um ser vulgar. O teu caso merece que por ele nos interessemos. Quero-te aceitar à experiência entre os meus alunos. 

O Rei Macaco saltitou e bateu palmas, agradecendo ao mestre.
No dia seguinte um dos alunos mais antigos deu ao macaco o trabalho desse dia : varrer as escadas, os corredores e o dormitório, cavar a terra, tirar as ervas e limpar as veredas do jardim.

- Eh ! Tenho de fazer tudo isso ? Tendes a certeza ?

- Foi o Mestre que o ordenou. Porquê ?

- Não... nada... 

Pegou na vassoura e fez ob trabalho. Depos cavou e roçou. Durante todo o dia repetia para si próprio :
"Que infelicidade. Eu que fui rei outrora aqui estou, último entre os últimos... um simples servidor. Tenho as mãos cheias de pó, terra e bolhas. Se é preciso passar por isto, passarei. Não fiz todo este caminho para nada. O velho Sábio não conseguirá desencorajar-me".

No dia seguinte, no outro, no outro e no outro, durante um ano, mandaram-lhe fazer a mesma tarefa. E nunca o Rei Macaco se lamentou. Acabou por fazer o trabalho assobiando e pensando noutras coisas.

Finalmente o Sábio Imortal mandou-o chamar e perguntou-lhe :

- Então, Macaco, que compreendeste tu àcerca do trabalho que aqui fazes ?

Bem, Mestre, creio que é um mau bocado que tenho que passar. É sem dúvida um exame de entrada para me pôr à prova.

- Não é suficiente, disse o Sábio, é preciso que continues para melhor compreenderes.

- Mas o que há para além disto para eu compreender? Varro para que tudo esteja limpo, jardino para fazer crescer as flores, os frutos e os legumes, e é tudo !

- Não, não é tudo. Não haverá em ti mesmo, também, uma casa para varrer, um jardim para cultivar ?

E o Macaco recomeçou a varrer e a limpar, perguntando-se se seria assim que se tornaria imortal. Reflectia também nas palavras do Mestre. Onde poderiam estar essa casa e esse jardim interiores.


Um dia, enquanto varria com espírito bem longe dali, sentiu uma forte pancada nas costas, Virou-se, furioso, para ver quem lhe batera. Era o Mestre que segurava uma vara de bambú na mão.

- Então, Macaco. É assim que trabalhas ? A pensar noutras coisas, a sonhar ? Pensava que eras um mestre em artes marciais, para onde foi a tua concentração ? Dormias sem dúvida, pois não me ouviste chegar. Não te esqueças que estás numa Escola de Despertar. O teu espírito é a tua vassoura. Tenta tê-la sempre à mão para que a poeira não te cegue.

A partir desse dia, o macaco mudou a sua maneira de trabalhar. Concentrava-se nos seus movimentos para estar sempre à escuta do que se passava, no exterior e no interior de si mesmo.
Por várias vezes o Mestre conseguiu surpreendê-lo. Recebia então uma grande pancada com a cana de bambú no momento em que menos esperava. O Macaco redobrou os seus esforços.
Aconteceu que uma vez ouviu os passos do Mestre sobre o saibro, virou-se justamente a tempo de desviar o golpe com o cabo da vassoura.

- Está bem, disse o Sábio, fazes progressos. Continua.

De aí em diante, nunca mais o Mestre conseguiu surpreender o Macaco. Tinha desenvolvido uma tal concentração que pressentia a presença de quem quer que fosse a vários metros de distância, sem o ver nem ouvir. Tinha adquirido um sexto sentido. E tinha tomado gosto pelo seu trabalho. Os gestos tornaram-se harmoniosos. A vassoura e o ancinho dançavam nas suas mãos. Tinha descoberto outro segredo: Sentia prazer em ver o jardim, em cheirar o perfume das flores. Tinha sempre um sorriso, uma palavra bem disposta quando se cruzava com alguém. Tornou-se o mais simpático companheiro de entre todos os alunos.

Menos de dois anos após a sua chegada, o Sábio convocou-o novamente.

- Macaco, o que compreendeste do teu trabalho aqui?

- O meu corpo é a minha casa, o meu coração o meu jardim. Não paro de varrer um para que o o outro floresça.

- Bravo, aprendeste muito. Habitualmente são precisos dez anos para se atingir isso.

- Então, Mestre, talvez me possas ensinar o segredo da imortalidade...

- És demasiado impaciente. A preparação não terminou. É necessário outro trabalho.

No dia seguinte, o Macaco foi nomeado cozinheiro. Para além das suas funções, foi-lhe permitido ir à biblioteca e à sala de estudo. Teve também lições de pintura, caligrafia e poesia.
Leu velhos livros de ciências, as vidas e as palavras de Buda e de Lao Tze, aprendeu a compor poemas e a pintar. Aprefeiçoou, por meio de exercícios, a sua concentração e as explicações do Mestre permitiram-lhe compreender muitas coisas.

Assim se passartam outros cinco anos, mas o Macaco não conhecia ainda o segredo que viera procurar. Ao longo de todo esse tempo, outros pêlos brancos apareceram no seu bigode.

.....continua.....